28 dezembro 2006

NÃO PRECISA BEBER CHAMPANHE...


RECEITA DE ANO NOVO

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)


Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.


Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

27 dezembro 2006

THIS IS AMERICA!

Da América continuam a chegar novas que têm, ainda, o condão de nos surpreender. Final do último Super Bowl, um “desporto” esquisito e, pelo menos para mim, intragável e incompreensível, em que uma cambada de embuçados tenta por todos os meios atropelar outra cáfila dos mesmos embuçados. Os ianques, a avaliar pelos níveis de audiência televisiva, são doidos por essa trapalhada. No intervalo da última final, como ia dizendo, actuou a cantora Janet Jackson e o cantor Justin Timberland. Durante a performance, talvez num trejeito mais arrojado, a mama direita da mulata libertou-se do espartilho e mostrou-se ao mundo. Ao que me dizem, a puritana América tê-la-á visto por menos do que um segundo, mas este foi tempo suficiente para que a estação de televisão que transmitiu o espectáculo, a CBS, suponho, tenha sido multada em cerca de meio milhão de dólares.
Ah América, és capaz do melhor e do pior.

SABEDORIA DE CASERNA

Hoje, num dos telejornais da hora do almoço, ouvi uma afirmação extraordinária. Extraordinária por duas razões: em primeiro lugar porque foi proferida por um elemento – graduado, suponho – da GNR e em segundo porque passados todas estas décadas e todos estes milhares de mortos e centenas de milhar de estropiados lá concluíram que a culpa das mortes na estrada era da má educação dos automobilistas. Mas, note-se que esta opinião é apenas daquele militar, o governo continua a dizer que os portugueses – e as portuguesas, como eles gostam de dizer, especialmente quando querem pedir algo, por exemplo, um voto – são pessoas educadas, sensatas, inteligentes, ajuizadas, enfim um chorrilho de imbecilidades que qualquer mortal sabe que soam a falso. Deixem-se disso senhores governantes, “ataquem” já as criancinhas desde o pré-escolar se não vamos continuar a ter gerações de cretinos ao volante. E agora já não temos a desculpa das estradas más e do parque automóvel envelhecido. Ambos estão ao nível do que existe no primeiro mundo. A senhora ministra da educação que, de repente, emudeceu, que se deixe de trapalhadas e que olhe para a situação desastrosa do primeiro ciclo, que é, não tenhamos dúvidas disso, a etapa mais importante da escolaridade do indivíduo. Mas por favor, rodeie-se de pessoas que saibam o que deve ser feito.

24 dezembro 2006

FELIZ NATAL


Amanhã, dia de Natal, fará nove meses que atravessei a fronteira. Durante este tempo conheci alguns amigos, visitei outros e, acima de tudo, diverti-me bastante. Para todos os amigos e visitas cá de casa - Marco Aurélio, o primeiro a dar sinal de vida, Pedro Nelito, António, Tozé Franco, Alda Maia, Magui, Joel, São Ponte, Xico Rocha, Helena Guerreiro, Alex Manzi, Andrea, Isadora Lis, Bruno Vieira, José Marques, Manuel Neves, Jofre Alves, Raposa Velha, Cazento, Mikas, Quintanilha, Armanda, Professorinha, Teresa David e João Moutinho - um feliz natal
Empanturrem-se de batatas, abarrotem-se de bacalhau, atestem-se de um bom verdinho, recheiem-se de doçarias e lambuzem-se de amor.

18 dezembro 2006

JOSÉ ESTALINE: NÃO NOS ESQUECEREMOS!

…Estaline […] levanta-se, beija a namorada na face, canta uma canção, ajuda a filha a fazer os trabalhos de casa e depois manda matar 40 mil pessoas…

Entrevista de Simon Sebag Montefiore ao semanário Sol, 26.Nov.2006


Ióssif Vissariónovitch Djugashvili ou, mais prosaicamente, José Estaline, nasceu na cidade Georgiana de Gori, faz hoje precisamente 128 anos. O mundo, viria a sabê-lo mais tarde, passaria bem sem ele, mas na realidade não teve essa sorte.
O pequeno Ióssif, filho de trabalhadores com poucos recursos, teve uma infância difícil. Chegou a frequentar um seminário na capital da Geórgia, Tbilisi, satisfazendo os anseios da mãe, mas cedo se começou a envolver em actividades subversivas, contestando o regime czarista. Estas acções revolucionárias levá-lo-iam à prisão. Uma vez em liberdade aliar-se-ia a Vladímir Ilitch Uliânov, Lenine, ajudando a arquitectar a Revolução Russa de 1917. A sua ascensão dentro do partido foi meteórica. A astúcia de Estaline, que lhe permitiria manter-se no poder até ao dia da sua morte, começava aí a revelar-se.
Antes da Revolução dirigiu o Pravada, jornal oficial do Partido e, em 1922, é eleito Secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética. Dois anos depois, após a morte de Lenine, ascende à chefia do governo Russo, cargo que desempenharia com mão de ferro e sem piedade até ao fim dos seus dias, a 5 de Março de 1953.
Neste quarto de século terá feito da Rússia uma super potência mas à custa de muito sofrimento, muitos crimes e muitas mortes. Tantas que os historiadores não conseguem, sequer, pôr-se de acordo. Num recente documento do Conselho da Europa, que visa perpetuar a lembrança de todos os crimes contra a humanidade pode ler-se: "Convém não esquecer os crimes do estalinismo, cujas vítimas estão estimadas em 100 milhões de mortos. O regime estalinista recorria a todas as formas de execução de civis: utilizava o gás ou o veneno, ou então fazia o necessário para que as vítimas morressem de fome. Centenas de milhar de pessoas foram expulsas para os confins da Rússia e povoações de todas as nações foram deslocadas. Nas prisões e gulags, milhares de prisioneiros políticos foram vítimas de uma feroz repressão".
Podem começar a levantar-se vozes que tentem reabilitar o nome deste déspota sanguinário, pode até aparecer um ou outro que nos lembre os afazeres domésticos do ditador, que nada nem ninguém conseguirá calar o murmúrio ensurdecedor dos milhões de inocentes que pereceram às suas mãos.

PS. fui "coagido" pelo Pedro Nelito a escrever este post, que, diga-se em abono da verdade, nasceu de um mal entendido. Uma completíssima lista de algozes pode ser consultada aqui.

12 dezembro 2006

SESSÃO DE POESIA

"Tendo problemas de flatulência [...] de vez em quando descuidava-se [...] em cerimónias oficiais, levando-me a acender, de imediato, um cigarro para disfarçar o odor."
in, Eu, Carolina, Carolina Salgado

Consigo imaginar o ambiente numa das famosas sessões de declamação de poesia em que o homem diz participar. Será cada verso cada peido. E os circunstantes, embevecidos, sem notarem sequer aquela atmosfera espessa e pesada, ovacionam-no no fim. O declamante curva-se perante a assistência e aproveita o ruído para largar mais um, agora ruidoso, que o ambiente permite-o.

05 dezembro 2006

A MINHA HOMENAGEM A FIDEL

Enquanto convalesce da arreliadora avaria do intestino, Fidel é informado que o seu amigo Morales está já em viagem para o confortar e lhe oferecer um bolo de coca. O comandante não o diz, mas no íntimo reza a todas as santinhas pedindo-lhes que despenhem o avião e façam o índio e o bolo desaparecerem nas profundezas do triângulo das Bermudas ou nas brumas do mar dos sargaços.
Pelos vistos as santinhas não ouvem os hereges e, por isso, o andino aterrou em Havana são e salvo com a sua picaresca oferenda.
Anteontem, enquanto escrevia o texto anterior, sobre o bolo de coca que Dom Evo ofereceu ao seu guru, lembrei-me de Juan Manuel de Prada. Fidel, não desmerecendo da ascendência galega, sempre foi apreciador da boa mesa mas abomina bolos. Bolos em geral e bolos de coca em particular. De modo que, depois de ler a notícia da visita do índio, por solidariedade com o velho comandante, decidi procurar um livro de Juan de Prada e deliciar-me com um determinado texto da obra. É a minha homenagem ao cubano nesta hora difícil.
Embora o texto seja de fino recorte literário, cogitei longamente acerca da pertinência de o trazer a lume. Encorajado por algumas coisas que vou lendo na blogosfera, e mesmo correndo o risco de estarrecer algumas mentes mais sensíveis, decidi trazê-lo.



Vou uma vez por ano a Cuba, para fumar com Fidel Castro uns bons charutos e lhe contar uma ou outra anedota picante. Fidel é um bocado manhoso, um pouco paquidérmico e barbudo demais. No fim da visita, dá-me umas palmadas nas costas com aquelas suas mãos de velho sapo, e leva-me para uma saleta decorada com pouco gosto, com pretensões a lupanar das Caraíbas, onde me esperam meia dúzia de pequenas cubanas, risonhas e partidárias do regime castrista. Fidel diz-me que escolha uma e eu decido-me, para o não o deixar mal visto, pela mais rechonchuda. Fidel faz estalar os dedos, ordenando às outras que se retirem; ele faz o mesmo, após cofiar as barbas de patriarca outonal. E eu, ficando ali a sós com a cubanita, pergunto-lhe:
- Como te chamas?
- Gertrudes.
As cubanas são mulheres com uma certa vocação para as curvas, de uma carnalidade que contrasta com os seus nomes, muito ásperos para o gosto ocidental. Na Gertrudes, concretamente, sublinharei o seu riso mulato, os seus braços sedentários e a sua estatura de menina que não cresceu. Vamos à praia (Fidel tem residência de Verão à beira-mar, para espiar com a luneta os viajantes das jangadas que naufragam antes de acostar à Florida) e eu pego-lhe na mão , sentindo entre os meus dedos o calor afável e hospitaleiro das raças mestiças. Fodemos em silêncio, em cima da areia (talvez a luneta de Fidel nos esteja a examinar), com a noite toda a derramar-se sobre nós. Gertrudes tem uma cona avantajada, crioula, e sobre ela gravita o resto do seu corpo, uma cona que, tal como a manigua(1), pode enredar com as suas plantas o viajante descuidado. Vou desbravando o caminho que me há-de levar até ao fundo de Gertrudes, enquanto ela me dá instruções num espanhol rudimentar, fulgurante de americanismos, que me transmite ainda maior tesão. A cona de Gertrudes, liberta por fim de moitas pesarosas sabe-me a ananás e a licores tropicais. Contemplo a cona de Gertrudes recitando-lhe fragmentos de Paradiso, o romance de Lezama Lima que na adolescência me deslumbrou pelas suas conexões insólitas, embora nunca conseguisse entendê-lo completamente (mas a literatura não é para entender, basta que acaricie o ouvido, a alma ou os colhões). Gertrudes confessa-me a meio do coito que Paradiso é a sua obra preferida, e demonstra-mo citando passagens pertinentes. Fidel, homem de pouca leitura, deve estar a alucinar a cores, perante tamanho alarde de erudição literária, caso se não tenha cansado de nos espiar com a luneta. Os meus gostos, em geral, coincidem com os de Gertrudes, e este consenso facilita um orgasmo uníssono, cubano, quase telúrico. Gertrudes, que é um pouco desabrida, vem-se, maldizendo Guillermo Cabrera Infante(2), que considera um James Joyce para mulatos com úlcera gástrica. Acho que é um exagero.

Conos, Juan Manuel de Prada



(1) Expressão da língua nativa taina; bosque tropical pantanoso e impenetrável. (N.E.)
(2) Cabrera Infante, n. em 1929, é sobretudo conhecido pelo seu feérico romance Três Tristes Tigres, aventura da linguagem cubana em que o humor desempenha importante papel. A alusão deve-se aqui ao facto de o escritor se ter exilado de Cuba em 1965. (N.E.)

02 dezembro 2006

UMA FATIA PARA ESQUECER

A rapaziada Andina continua a surpreender-nos: Evo Morales, chegou há dois dias a Cuba para assistir ao dia das forças armadas cubanas e comemorar o aniversário do comandante – na realidade fez anos a 13 de Agosto mas um arreliador desarranjo intestinal não aconselhou festejos – e, a uma pergunta de um jornalista sobre a prenda para o enfermo, respondeu: “como prometi, eis o bolo de cocaína!
Estou em crer que o dito bolo fará habitualmente parte da dieta alimentar de Morales. Assim se compreende como não liga patavina aos protestos que vão tomando conta das ruas do seu país: depois da sobremesa toma os protestos por aplausos.